Paz, pão, saúde, habitação, trabalho, educação, liberdade. A este “programa” de há 35 anos, podia juntar-se a “política de verdade” do general Spínola. Comecemos pela verdade. A verdade do Freeport, da Casa Pia, do BPN, do BPP, do BCP. A verdade da escumalha fiscalizadora sempre cúmplice de tudo. São dispensáveis outros comentários. A liberdade, essa conheceu uma mutação importante com o MP e a judicatura a desempenharem funções da polícia política (com gosto evidente dos respectivos agentes) ao abrigo dos pretensos crimes de injúria e difamação (mais as respectivas formas qualificadas) a pretensa “resistência e coacção a funcionário”, mais as pretensas “organizações terroristas” e as “armas proibidas” (onde se incluem a faca de mato do escuteiro, a adaga de caça, a faca de mergulho e o arco de plástico ou fibra mais as flechas do brinquedo, com ventosas e tudo, presume-se). As forças de segurança, desde a PSP à guarda prisional são fonte da criminalidade mais violenta. E um torcionário representa Portugal no Comité Europeu de Prevenção da Tortura. (A PIDE nunca foi tão imaginativa, nem tão ousada). A educação também não está nada mal. Multiplicaram-se fraudes e pretensas licenciaturas que significam coisas tremendas, a começar pela pretensa licenciatura do primeiro-ministro. Os nove anos de escolaridade básica satisfazem-se na presença material em recinto escolar e não carecem de qualquer efectividade de ensino ou aprendizagem, dispensando por consequência as respectivas aferições. Tal solução vai agora estender-se até ao 12º ano. Sessenta por cento da população ferida pela iliteracia é o número que sucede ao antigo (e duro) ferrete de trinta por cento de analfabetismo. Desapareceram os concertos. As óperas. O teatro. Desapareceram os escritores. O sistema inventa “escritores” cujos papéis distribui: há o filho do tareco, o filho do Lucas Pires, a filha do Ivo Cruz. O trabalho descobriu a precariedade radical sobre a qual assenta o crédito bancário que coloca toda a vida sob a ameaça de um jogo de azar. A dignidade do trabalho é a “subordinação jurídica” lida – e aplicada - como nova servidão da gleba. (Mesmo no texto legal: a lei de Marcelo Caetano desenrola-se sem escrever as palavras “subordinado” ou “subordinação” uma única vez, mas o código Félix eriça-se de “superiores” e “subordinados” como se a hierarquia não fosse apanágio do Direito Público, como se pudesse haver sujeição pessoal à luz dos pressupostos do sistema). Habitação, fizeram-se extensos bairros marginalizados do perímetro urbano, onde os serviços de limpeza urbana não vão (não há recolha de lixo, por exemplo) atulhados com população desempregada, misturando grupos étnicos não integrados e em conflito entre si. Perfeito. A outra forma social de acesso à habitação é o crédito bancário. Na saúde, alguns resultados se obtiveram: queda da mortalidade infantil, generalização de cuidados básicos e aumento da esperança de vida. Porque os resultados eram bons, tratou-se rapidamente de gerar a crise do sistema e já não há médicos bastantes, nem enfermeiros, nem técnicos, e a saúde pode voltar a ser negócio, sustentado na “criatividade” da “iniciativa privada”. Quanto ao pão, estamos em plena crise de carência alimentar, envolvendo números impressionantes da baixa classe média sempre em evidente agravamento. A paz, nota-se pouco. Tendo fugido com êxito da guerra em África, as depauperadas forças militares portuguesas mantêm guarnições de combate nos Balcãs, no Afeganistão e onde quer que a OTAN precise de economizar deve responder o Orçamento Geral do Estado da terrinha (entre os de outros estados vassalos, ou para-exíguos). Mesmo a aquisição de equipamento militar se faz em função destas “necessidades” e não das evidências da defesa territorial. Estamos portanto conversados. Há um cheirinho a rebelião popular nas ruas. Villepin alerta formalmente para um “risco de revolução”. Aguardemos. Nada pode ser pior que isto. Nenhuma sarjeta pode vomitar pior escumalha do que esta a transbordar do funcionalismo político-partidário. Só é possível melhorar. Já lá pedia Pessoa a desgraça ou ânsia. Venha a desgraça, mas que seja outra.
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