Tentemos dar uma ajuda para assentar ideias (não se prendam à sistematização, que é instrumental):
1- Em Portugal o problema do constrangimento oposto à liberdade de expressão – e à liberdade de imprensa, como uma das suas formas qualificadas – capta-se pelo facto (indesmentível) de termos de tomar dos outros, sob forma de citação, o que nós próprios pensamos;
2- Como demonstração (exemplificativa) da enunciação anterior serve o facto da imprensa portuguesa não ter podido, até hoje, tratar a questão judiciária com a clareza com que a tratou o último documento da Transparency International, ou seja, os jornais portugueses e demais publicações sentiram-se eficazmente inibidos de proceder à abordagem de tal questão (apesar dos elementos estarem ao alcance da sua observação) sem ser sob a forma de citação de conclusão alheia respeitante às convicções próprias da população onde se integram;
3- Tal inibição radica quer nas formulações normativas, quer nas práticas institucionais repressivas, que retiraram paulatinamente qualquer credibilidade à imprensa, em comparação com a demais imprensa europeia,
4- O caso Maddie demonstra (também exemplificativamente) o nível de inibição dos jornalistas perante o monstro judiciário, inibição que não tem (e não teve) paralelo em qualquer jornal europeu (neste Blog estão disponíveis reacções inglesas atestando o assombro, a invectiva e a comiseração diante da conduta dos funcionários portugueses) e demonstra também que os sentimentos de ofensa (bastante pacóvios) tentaram até impor-se à imprensa inglesa (como se o seu costumado alcance de factor desencadeante da repressão fosse ali viável, como o é aqui) e isto, como reacção à expressão das impaciências inglesas face a funcionários portugueses que produziam comentários (de gravidade desmesurada) em vez de apresentarem qualquer trabalho crível (aliás inexistente), esses sentimentos de ofensa bastam, em Portugal, para paralisar a liberdade de imprensa (q.e.d.) sob o espectro dos procedimentos criminais por difamação ou injúria (aliás qualificada, porque a honra dos funcionários é tratada como se fosse maior que a dos cidadãos) processos arrastáveis por seis anos, arrastamento onde vem também uma pressão intolerável...
5- A existência das Entidades Reguladoras da Comunicação Social só tem sentido face à descriminalização das práticas decorrentes das liberdades de debate, correspondendo à solução em cujos termos as infracções – resultantes do modo e das questões de forma – que nos exercícios de tais liberdades surjam, são (em primeira linha) matéria de autoridade (intelectual, moral e política) e não matéria de poder (policial, ou dos tribunais criminais); mas
6- Fazer coexistir uma tal ficção, consubstanciada numa cópia pervertida de tais entidades reguladoras (para mais e aqui caracterizada pela menoridade intelectual) a par dos mecanismos de repressão criminal (com margens de arbítrio absolutamente esmagadoras, como o demonstra a Jurisprudência de Estrasburgo), corresponde a gerar mais um mecanismo (em reforço) da inibição anuladora da liberdade de imprensa, no quadro constitucional onde os direitos da liberdade de expressão são excepcionados aos Princípios Gerais de Direito – não pode haver infracções criminais no exercício de direitos, excepto nestes casos, segundo a letra da Constituição local – e isto é, evidentemente, um absurdo politicamente expressivo;
7- E o que se expressa politicamente neste absurdo é um estado nacional-católico sob máscara demo-liberal e parlamentar;
8- A demonstração prática de quanto acaba de dizer-se está na intervenção (pessoal) do funcionário da ERC trazendo a sobreposição subordinante da entidade reguladora aos regulados – concepção que, em si mesma, é um abuso e expressão que, em si própria, é um insulto – porque na verdade, a entidade reguladora, regula uma actividade e não quaisquer sujeitos;
9- A expressão “os regulados” empregue quanto às empresas de edição (pessoas colectivas, ou individuais) corresponde ao índice de desvio do eixo de actividade do organismo em causa; com efeito,
10- Da regulação de uma actividade, não se deduz – nem pode deduzir-se – uma subordinação pessoal de ninguém a ninguém (não há regulador e regulados, há entidade reguladora e actividade regulada) e nesta concepção de “subordinação” aliás pessoal (trazida até à esfera identitária, posto que tal se permite como designação dos sujeitos da actividade) traduz a confissão da anulação da liberdade de imprensa (não há liberdade compatível com a sujeição pessoal de um sujeito a outro) e até vem demonstrada a intenção político-administrativa desse constrangimento, pela perversão conceptual de uma liberdade até à redução aos limites de simples licença precária, porque a subordinação é conceito de Direito Canónico traduzindo a acefalia e a incardinação (sem mais).
Postas as coisas nestes termos, está politicamente justificada a nova imprensa clandestina e tal é, salva a possibilidade de melhor opinião e mais agudo olhar, o parecer de Contra Ordem (Blog clandestino). Os anseios da ERC em policiar os Blogs (politicamente, como é óbvio) ficam para tratamento posterior.
Em aditamento, Contra Ordem responde ao insulto da criatura da ERC (que a todos chamou “regulados”) tratando doravante por régulos putativos os membros da ERC .
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