Saturday, July 10, 2010

A Península Reajusta-se

A Constituição Espanhola só consagra uma Nação. Isso é verdade. E significa apenas que a fórmula está errada. Não se ganha nada em exacerbar o brio nacional dos Catalães e Bascos com tretas cuja grotesca formalidade escassamente as separa do crime. Mas os castelhanos nunca precisaram da inteligência onde a força lhes bastou. Aragão e Navarra vão afastar-se, sim. Aliás já se afastaram um pouco mais pela recusa do Estatut. Entretanto Madrid afirma-se o verdadeiro centro da política portuguesa. Os passos do rito de vassalagem foram dados por Coelho em visita ao Partido Popular em Madrid. A quarta geração falangista recebeu a execranda criatura com grande jovialidade (eventualmente em razão do mau gosto da gravata). O partido social cristão que na tugária se chama social-democrata (!) aposta forte nos 40% do eleitorado português que pretendem a integração sob soberania da corôa de Espanha. Mas pretendem também os do "PSD" ser os capatazes locais dessa integração. E isso não é possível conceder-lhes. Era o modo de ficar tudo na mesma e não pode ficar, realmente. A organização política dos estados - como qualquer outra forma de associação- é uma expressão de liberdade. Quando passa a ser sinónimo ou instrumento de assédio, lugar de opressão, é a altura de rescindir o contrato. Com justa causa. É o que se está a passar na Catalunha e no País Basco quanto à organização política do Estado Espanhol. É o que se está a passar em Portugal quanto a esta anedótica estrutura de parasitagem sem fim a que se chama Estado Português. A um lado um Estado dos que se imaginam com direitos à terra e cultura alheias ao ponto de chamarem suas as terras e as gentes que são manifestamente, outras culturas, outra gente e terras de outros a quererem ser quem são, ou seja Galegos, Bascos e Catalães (não esquecendo os muçulmanos andaluzes a exigirem, com razão, a Mesquita de Córdova devolvida ao culto e à comunidade que a construiu). A outro lado um estado de sopeiros e labregos, incapazes de imaginarem o que quer que seja e onde a gente normal aspira a viver entre gente normal, com governo de gente normal e que por isso quer ser espanhola, embora possa ser Galega (e nisso se salda a identidade própria, em boa verdade). Claro que "espanhóis somos todos", como dizia o Senhor D. João II. E somos. É preciso que a Hispânia possa ser o que é. Nem vale a pena discutir muito sobre isso. O Estado é produto de um contrato. Denunciável. Rescindível. Revisível. Aditável. É isso que está em causa. Na Catalunha. No País Basco. Porventura na Galiza. E em Portugal. Sagrada será a Pátria. A Nação não o é em todas as acepções. E se o patriota é sempre aceitável, já a aceitabilidade do nacionalista dependerá de várias coisas (que, definitivamente, "ele há vários"). Mas mesmo nesta situação, mais periclitante do que parece, a desmedida ambição de Castela que se chama Espanha e lhe traduz a grandeza fugidia como todas as grandezas humanas, essa desmedida Espanha, é simpática. As culinárias são óptimas. Admiráveis as arquitecturas. Assombrosas as culturas. Surpreendentes as gentes. E tem aquele detalhe dos Bourbons que testemunham ainda hoje a teimosia do trono de França. E constituem uma "reserva histórica". Estão lá. Podem-se depor, prender, decapitar. É simpático ter um Bourbon no trono. Sempre ofereceria imensas possibilidades à história do futuro, entre o deixá-lo estar e o "renvoi" para a guilhotina. Mas há nisto mais um aspecto - absolutamente imprevisto - que é a ideia do neto de um taxista vir a sentar-se no trono. Trunfo inesperado da Monarquia sobre qualquer forma republicana de Estado. Em República o neto de um taxista nunca pode ser Rei.

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