Os nossos irmãos romenos discutem a legalização da prostituição. Vamos dar-lhes uma ajuda. É preciso reconhecer que devemos todos alguma coisa a essa sinistra actividade. Reconhecimento sem as parvoíces de Tomás de Aquino. Comecemos portanto por aí. A história do Ocidente deve à prostituição a primeira liberdade das mulheres: na falta de estatuto profissional, foi a fortuna ocasionalmente atingida nesta actividade que libertou as primeiras mulheres dos jugos da sociedade patriarcal. Também se lhe deve a moda picante, porque as mulheres usam hoje, com naturalidade, coisas que só tais “profissionais” usavam antes. No plano da influência literária, deve-se-lhe ainda outro olhar feminino sobre os homens: a objectividade das prostitutas é sempre inesperada, bastante prática pela quase virilidade e irresistível para os tímidos. E um outro olhar masculino sobre as mulheres, porque tendo todas as prostitutas cérebro, de nenhuma se espera que pense mas pensam. E de nenhuma se esperam sentimentos com elevação e há-os com manifestações assombrosas. Ainda no plano da influência literária, foram (e serão) das poucas mulheres com quem se pôde (ou poderá) falar enquanto o ideário pedagógico aplicado à educação das outras foi (ou for) o da parvoíce. Assinalar-se-á que entre as primeiras mulheres divinizadas pelos homens estão algumas prostitutas (a mulher de Simão o Mago, por exemplo). E há este pequeno detalhe: a história política da Europa não seria a mesma se a imperatriz Teodora não tivesse segurado Justiniano no trono e esta imperatriz começou a sua inesperada carreira num bordel de porto... (Isto não chega para recomendar os bordeis como Escola Superior de Ciências Políticas). Em todo o caso é exagero chamar àquilo profissão. Mais exagero ainda é chamar-lhe “a mais velha profissão do mundo”. Isso não está documentado. A mais velha profissão do mundo é claramente a neuro-cirurgia da qual há pistas seguras de exercício no neolítico, já que não são raros os craneos com sinais de trepanação e sobrevida dos pacientes (é um grande mistério do neolítico, mas é assim). A prostituição deve ter começado com o aparecimento das cidades (e das grandes cidades) porque só a grande cidade traz a massiva e drástica pobreza que é o terreno desta prostituição.
A prostituição ilegal tem implicado dez inconvenientes intoleráveis: clandestinidade de toda a actividade; acentuação da degradação moral das mulheres que exercem essa actividade; desenvolvimento de formas delituais de constrangimento de mulheres a coberto da clandestinidade já existente; arbítrio dos funcionários e abertura permanente à corrupção visando pagar, ou fazer pagar, entre outros, o favor dos agentes de polícia; impossibilidade de segurança legal, seja das pessoas, seja dos lugares ou casas; possibilidade de retaliações envolvendo organizações de delinquentes e cumplicidades de agentes corrompidos das forças de segurança e polícia criminal; impossibilidade de cuidados de saúde dirigidos com eficácia às correspondentes situações, seja na profilaxia, seja na terapia; impossibilidade de controlo sanitário; objectivo estímulo fiscal, pela falta de cobrança de impostos; parasitagem do sistema nacional de saúde em utilização por não contribuintes. Mas a prostituição legalizada tem implicado nove inconvenientes intoleráveis: o cadastro profissional das mulheres que exercem essa actividade; maior dificuldade de abandono da actividade; possibilidade de chantagem a partir das bases de dados, mesmo depois de cessada a actividade; necessidade de mencionar a actividade exercida nos dados de identificação pessoal; menção da actividade no cumprimento de obrigações tributárias e nos descontos para a segurança social; exames médicos miscigenizados por sentimento de censura moral ou desprezo (no apoio administrativo e de enfermagem, se não dos médicos); situação moralmente aviltante do Estado que cobre impostos sobre essa actividade (só proxentas lucram com isso); impossibilidade de mecanismo de controlo fiscal e legal que não seja aviltante; necessidade de instituir, ao menos, a contra ordenação para a actividade não declarada, o que, por absurdo, mantém a ilegalidade e mantém os respectivos inconvenientes. É portanto preciso descobrir formas de eliminar os inconvenientes da ilegalidade, sem a condenação aos inconvenientes da legalização até hoje conhecida. É capaz de não ser difícil, mas é preciso pensar nisso. Como boa parte dos problemas, a boa solução depende da boa perspectiva. A ideia em discussão na Roménia está longe de ser aceitável. Mas também não é aceitável continuar sem fazer nada. E para fazer bem alguma coisa é preciso reconhecer que a prostituição é filha da probreza e da falta de liberdade. Convém resistir à ideia de instituir "direitos das prostitutas". São as pessoas que têm direitos e têm-nos porque são pessoas. Do que se trata é de saber em que medida uma situação (como esta, ou outra) obsta à subsistência dos direitos que as pessoas têm. E em que medida obsta ao cumprimento dos seus deveres. Concluída essa primeira tarefa, há que remover esses obstáculos um a um, usando a Lei como instrumento e deixando critérios gerais que permitam afastar, na aplicação prática do texto legal, alguma situação concreta que não tenha podido especificamente detectar-se. Isto dito é preciso tocar no tema na perspectiva da dor moral da nossa impotência diante da pobreza e da falta de liberdade. Talvez assim se consiga melhorar alguma coisa. À imunda tugária - coisa de proxenetas mais que de prostitutas - recomenda-se que nem nisto se toque. O que mais faltava era ter os proxenetas a falar em critérios a adoptar pelo Direito a constituir. A solução universal para os problemas da tugária é a extinção da tugária.
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