O admirável jornal Al-Ahram voltou
ao mundo dos vivos e o jornalismo de opinião que nos trouxe é muito
característico das circunstâncias. Perguntam-se se viveram uma revolta ou se
vivem uma revolução. Depende da sobrevivência das reivindicações morais que
animaram a teimosia da rua. Se as reivindicações morais se impuserem como
Direito (que são) temos uma revolução. Caso contrário, temos apenas um pretexto
ao abrigo do qual os beneficiários de um novo ciclo de corrupção puderam ver-se
livres dos antigos. O processo da tugária é para tal tema uma pista maior de reflexão.
A subsistência dos aparelhos judiciário e de polícia directamente organizados
pelo salazarismo, a recuperação dos quadros médios do salazarismo que vieram
assessorar os novos titulares ao abrigo da “experiência” e se transformaram em
verdadeiros governantes através dessas discretas posições “autorizadas”. A
sordidez das “faculdades de direito” e a inépcia intelectual que aí se cultiva,
reproduzindo incessantemente as sebentas do nacional-catolicismo, tudo isso fez
com que, hoje, a imunda tugária seja um exemplo modelar de sordidez, verdadeira
materialização do pesadelo clássico onde os homens são emasculados para
alimentar os cães. Com a preservação cuidada de uma imagem de democracia
parlamentar, mas onde é proibido investigar a corrupção, a pederastia e a
tortura, sendo igualmente proibido falar disso, escrever sobre isso e publicar
o que quer que seja a tal respeito, sob pena de processos criminais eternizados
ao abrigo da pretensa injúria ou da pretensa difamação. O clero papista pode
pois usar as suas crianças em trabalho escravo, ou em abuso sexual diário sem
que ninguém os incomode e a demais corja pode – como os pederastas papistas -
tudo fazer em razão de um pacto onde reciprocamente tudo se consentiram e
consentem uns aos outros, sem que nenhuma dessas imundas criaturas conceda, ou
queira conceder, o direito à palavra seja de quem for. E são bem obedecidos por
uma judicatura de labregos e sopeiras, como por uma polícia de homicidas e
torcionários (as “forças de segurança” são o lugar da mais perigosa e violenta
criminalidade da tugária) e bem obedecidos nas prisões entregues à liberdade de
movimentos de traficantes e homicidas. Ocorre que a possibilidade desta
extraordinária subversão teve a extraordinária alavanca da indigência das
Faculdades de Direito. Revolta ou Revolução?... Depende. Há alguém a rir dos
truísmos doutrinários dos imbecis que fazem o papel de sábios oficiais? Fundido
o metal, soltaram-se essas escumalhas? A resposta está muito mais aí do que
parece. O Egipto porem tem uma vantagem. Seja nos vectores cristãos Copta e
Ortodoxo, seja nos vectores islâmicos, a religiosidade não representa (como o
execrando papismo na tugária) a sordidez da qual é imperioso fugir. A presença
religiosa está ali bem enraizada e estriba exigências morais claras: proibição
dos juros, honestidade dos contratos, dignidade sagrada dos vínculos da
paternidade e maternidade, exigência de bravura pessoal no uso da palavra,
mesmo diante de todos os silêncios. E isto sempre terá significados políticos
diversos, corolários políticos diversos e condiciona de modo muito diferente a
evolução política e a Revolução Egípcia.
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