Sunday, November 15, 2009

O ERRO DE HILÁRION

O jovem arcebispo Hilarion – porventura o mais cintilante dos discípulos brilhantes de Kiril I – deu uma conferencia de imprensa que o Le Monde relatou. O jovem arcebispo é imparável. Compositor, Teólogo, Historiador, vai-se afirmando como dirigente da Igreja Russa sendo o mais jovem dos membros do Santo Sínodo. Parecem já longe os dias do conflito com o Santo Metropolita de Surov que foi, claramente, um homem bafejado pelos dons da bravura, da serenidade e da genialidade. Hilarion segue a estratégia do seu Patriarca. Chamar os papistas a uma frente comum em torno das referências que subsistam comuns (e cuja importância o jovem arcebispo exagera). Multiplica-se portanto em apelos e convites aos heresiarcas papistas, falando aos sodomitas papistas dos valores da família, falando aos esclavagistas papistas da liberdade em Cristo, falando aos criminosos do hegemonismo papista em cooperação leal em torno de objectivos comuns. Parece que o jovem arcebispo não se lembra dos tempos em que os papistas compravam as consciências com bolsas de trezentos dólares para a frequência dos seus seminários na Rússia (quando um cirurgião cárdio-toráxico ganhava cem dólares). Imagine-se o doloroso problema de consciência de um rapaz de vinte anos, dividido entre a subsistência da família inteira ao abrigo de tal bolsa e a fidelidade à sua igreja. Heróica juventude ortodoxa. Mnô gaya leta!... Hilárion não percebeu ainda que ter os papistas perto é como alojar uma base militar americana: ao lado só crescem bordeis e asilos. Ingénuo Hilárion que insiste em ver o mundo a partir das vastas bibliotecas do Patriarcado e dos seus intensos amores de homem de cultura e talento, que insiste em olhar para os outros vendo neles alguém semelhante a si mesmo e tratando, por isso, a sordidez dos papistas como um detalhe ignorável. Pobre arcebispo. Olhos sem pecado dificilmente o vêm. Felizmente o seu clero está mais atento e, à cautela, não consentiu sequer que as cúpulas da Igreja paroquial russa de Roma ficassem abaixo das da colina vaticana. Moscovo é a Terceira Roma. Mas Roma não é a Primeira Moscovo. Uma e outra viverão. Mas o papismo não. A Santa Igreja Russa cortou relações com os anglicanos e os luteranos que dão bênção às uniões de pessoas do mesmo sexo e imaginam ter elevado mulheres ao episcopado e ao presbiterado. Mas a verdade é que esses, no imenso desvario de tais opções à luz da Tradição, esses são infinitamente mais normais como homens e mulheres do que alguma vez o terá sido a corja da colina vaticana, mostre-se ela como se mostrar, esteja onde estiver, diga o que disser. O desassombro intelectual de um homem de cultura corre outra vez o risco do assombramento pela sordidez papista. Não é infelizmente o primeiro. E nenhuma razão há para supor que será o último. Felizmente, também nós estamos cá. E fraternamente lhe dizemos que isso vai dar quanto sempre deu. Até à consumação, não poderemos fazer grande coisa. Em qualquer altura, porém, não hesite o Santo Arcebispo em contar connosco. Antes ou depois da decepção, estamos prontos a mostrar-lhe o monstro papista desde os da tugária aos do Chile e da Argentina e podemos mostrar-lhos um a um, tromba a tromba, escrito a escrito, monstruosidade a monstruosidade. Como quer o arcebispo -los a falar em uníssono, connosco, em favor dos valores comuns? Quais valores comuns? Nós não cultivamos a simonia, nem o massacre como instrumento de conversão, nem a violência opressiva como fundamento da ordem, nem a intrusão de tarados na vida familiar alheia a pretexto de pretensa espiritualidade. Mesmo do ponto de vista táctico parece dispensável que estejam perto de nós. Nós não usamos sicários (embora eles os usem) e nem desse ponto de vista, portanto, se regista qualquer conveniência na aproximação de tais monstros. Aliás na Santa Rússia produziu-se esse instrumento admirável da liberdade dos povos que é a AK47. O alcance da arma é razoável. Os papistas podem portanto ser mantidos um pouco mais longe. E em nota final sempre se dirá que nos pesa reconhecer a boa razão daquele pragmático director do KGB que, com radical simplicidade, confirmou que, sim, fuzilava qualquer padre papista (se é que tal coisa existe) quando lho traziam em flagrante de passagem ilegal da fronteira. Vinham em regra de intestinos desarranjados e com taquicardias, segundo relataram cúmplices sobrevivos. Claro que fuzilava, disse o antigo director, com inexcedível objectividade. E quando lhe perguntaram “porquê”, respondeu num encolher de ombros e em tom reservado à mais gritante evidência: -“porque eram espiões”. Era precisamente o que eles eram. Um director da CIA em Itália confirmou-o no mesmo documentário, rememorando que nenhum director da CIA alguma vez teve de esperar na antecâmara papal, entrando sempre e directamente no gabinete do papa Montini e para recolher as informações da Rússia. A CIA soube usar os papistas. Não pode censurar-se ao KGB o facto de ter encontrado modo de lidar com isso. A Segurança do Estado fez o que havia a fazer no seu ponto de vista (e porventura no nosso, embora possamos pensar melhor nisso). Hoje e na Rússia esses fenómenos já serão um pouco mais e bastante piores do que simples espiões. Mas há coisas que é preciso ver, por mais concludentes que hajam sido as experiências anteriores. E Vladika Hilárion vai ver tudo isso, pela certa. Já que insiste. Nós estaremos sempre por perto. E nem sequer recordaremos ao santo arcebispo o que lhe dizemos em tal matéria.

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