Pátria comum do Espírito e de
todas as ciências, pedra angular de todas as construções imperiais do
Mediterrâneo, terra amada de Deus que nela fez conhecer a sua grandeza e a
suavidade da sua presença, ali prefigurando as grandes religiões do livro. Terra
escolhida para a fundação do monaquismo, lugar de vitória sobre todos os
diabos, o Egipto é terra tão nossa - que ali aprendemos a pensar, a viver e a
construir - como de qualquer outro povo que ali tenha vivido até hoje. Como
Roma, Atenas, ou Jerusalém, o Egipto, nos seus desertos e nas suas Cidades, é
terra que não pode ser-nos estranha e que, visitada pela primeira vez, nos dá a
estranha certeza de a conhecermos já e completamente, como em Roma, ao entrar
na pequena praça onde nos espera a coluna de Trajano, ou um pouco mais à
frente, diante do templo de todos os deuses, à passagem pela colina palatina, ou
no encontro da Ara Pacis, nada há que nos seja estranho ali. E assim é no
Egipto, desde os grandes templos da Antiguidade às discretas igrejas dos
primeiros séculos cristãos, desde Santa Catarina do Sinai às praias de
Alexandria, desde o sorriso dos estudantes coptas à estatuária do Museu do Cairo,
que nos mostra as mesmas caras dos coptas de hoje, o Egipto não poderia senão
ser terra amada tanto por Deus, como pelos homens a quem ama. É portanto com a
delicadeza de quem ama aquela terra e com a gratidão para com os que ali
preservam vivo o passado comum da História da Cultura, é com essa delicadeza
que deve exigir-se (com toda a veemência – senão com a violência - necessária à
luz das circunstâncias) o tratamento da explosiva crise e da falta de lucidez
de um regime que se deixou vencer. E persiste na preservação de um poder que
perdeu já. Os exércitos estão divididos, parece, não mantendo a mesma atitude o
exército de terra e o exército do ar que ousou sobrevoar ameaçadoramente a sua gente.
E todavia a História de Mubarak é a história de sempre. É o pendura. O “jovem
promissor e obediente” que não é senão um funcionário e se vai deixando
produzir pelo aparelho até ser colocado na direcção respectiva. Nenhum risco
correu nunca. Não esteve com Nasser na grande Revolução Árabe (não tinha idade
para isso) e em nada contribuiu para alcançar as grandes metas libertadoras que
Nasser soube alcançar. O poder era para ele um objectivo em si. Não teve nunca
qualquer projecto de grandeza ou liberdade. Nada fez que consiga ver-se e
supere o mero campo da decisão administrativa. Todavia estas coisas estão
resolvidas há tanto tempo… Não se promove ninguém sem obra, sem distinção
substancial, sem coragem visível, sem a sabedoria revelada pelos horizontes
abertos na reflexão pessoal. Carreiras administrativas são para as secretarias –
talvez também para as polícias - e não para a condução de povos, ou de
exércitos. Mas também ali ninguém viu isso em tempo. E o poder - que não é nunca
senão um meio - apodreceu nas mãos de Mubarak. Resiste com a estupidez que o
conduziu toda a vida e tão “bons resultados” lhe deu, a seus olhos. Não
criticamos nele o despotismo. Também o despotismo é um instrumento. Despotismos
houve cabalmente legitimados pelo exercício respectivo. Houve despotismos que
libertaram. Educaram. Talharam fronteiras novas ou asseguraram as velhas. O
problema não está no despotismo. Mas na imbecilidade. Como sempre. E na
imbecilidade continua, quando se vê a política externa americana a intervir.
Não poderia essa gente pavorosa pensar dois minutos antes de agir?... Quando
não se sabe exactamente o que fazer é melhor resolver primeiro esse problema,
antes de tentar resolver qualquer outro.
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