Todas as surpresas devem esperar-se do monaquismo. Desde logo esta de um trabalho agrícola sábio, militante, isento de avidez e usura, não obstante o carácter inestimável dos resultados. Sempre foi assim, mas nem sempre isso é notado. Os monges russos do Ladoga fizeram viver videiras em pleno gelo e ainda hoje no
Novo Valaam, na Finlândia, os sucessores desses Santos Monges produzem e disponibilizam aos curiosos essa inesperada produção de vinho da Karélia (que legitima todas as curiosidades). Hoje o
Velho Valaam (na foto da esquerda, está a imagem da sua Basílica) prossegue ainda a rota da restauração (interminável) do seu vasto património arquitectónico, iconográfico (e científico, porque não dizê-lo?). Mas se entre os gelos o monaquismo produziu os seus milagres botânicos, também nos desertos do Egipto as comunidades monásticas são lugar da transfiguração da paisagem. O mosteiro de Abu Makar é uma suspensão do deserto. Pecuária no meio do deserto, com espécies adaptadas, instauração e gestão cuidadosa de um eco-sistema novo, uma comunidade monástica de sábios (com graduação universitária nas ciências exactas, nas ciências da terra e na medicina, gente que avança para o mosteiro porque ama Deus, os Homens e a Terra e não para fugir do que quer que seja). Árvores de fruto no meio do deserto. Um assombro, claro. Uma utilidade política assombrosa (também) no plano do interesse comum, porque o deserto recua ali quando por todo o mundo avança. O mais inteligente dos jornais árabes que conhecemos presta homenagem à
Abadia de Abu Makar (cuja basílica aparece aqui na imagem à direita). E Contra Ordem presta, também por isso, homenagem ao Al Ahram, lembrando que o Egipto é o primeiro protector dessa outra razão de assombro permanente que é o
Mosteiro de Santa Catarina do Monte Sinai, cuja comunidade foi declarada por Mohamad parte integrante do Islão e a todos os muçulmanos fixada a estrita obrigação de proteger os Santos Monges do deserto que, um dia, salvaram Mohamad da morte… Mero detalhe simbólico, claro. Se as orações de cinquenta justos sustentam o mundo, os mosteiros (todos os mosteiros, como faríamos nós distinções?) são os pilares da vida na Terra. Nenhuma razão de surpresa, portanto, se aqui os descobrimos assim de modo literal e imediato. Às vezes estas redescobertas são nova razão de incómodo (gentil, embora) para os monges. Nos anos oitenta, as abadias do Athos tiveram de acolher o entusiasmo dos velhos militantes socialistas e comunistas desiludidos que de repente viram ali (com razão, claro) a mais perfeita materialização dos seus ideais. E os velhos monges tiveram então o trabalho novo de esclarecer, sorrindo, que o monaquismo não é uma explosão de romantismo laical, por mais simpáticas que sejam essas explosões, esses romantismos e esses laicismos (como em regra são).
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