Thursday, June 11, 2009

Dez de Junho: a parada dos monstros

“Sonhei que era português”. Bem nos parecia. O Demóstenes de Boliqueime veio celebrar “a raça” (como ele dizia) ao tugúrio de Santarém. Com aquela cara de homem a quem dói alguma coisa quando fala. Disse o contrário de quanto representa e de quanto fez sempre. Num restolhar de frases feitas (duas das quais pelo Garrett). Exercício costumeiro no qual um monstro - em nome dos monstros - pergunta porque há-de a vida ser monstruosa. (Eles não estão nada convencidos da legitimidade das respectivas existências). Pediu mais austeridade de vida. Não sabemos se a pedia aos seus Loureiros (Dias e Valentim), se ao genro, se ao Oliveira e Costa. Admite-se que não estivesse a pedir mais austeridade de vida aos desempregados ou aos sem abrigo (mas tudo é possível). Entre a praça de toiros de Santarém e lado nenhum, desfilou a tropa fandanga numa sucessão de imagens hilariantes. Os comandantes ofegantes, mal sustentando as barrigas de grávidas e projectando os pés para o lado como se temessem o risco de entalar alguma coisa que (hipoteticamente) lhes estaria entre as pernas bambas… Depois dos comandantes, uma corja inenarrável ostentando todos os desalinhos: passos trocados, camisas com fraldas de fora, bivaques e boinas ao calhas, talabartes mal ajustados (sendo inútil prolongar a enumeração). E as caras! Que caras!... Vem aí o 14 Julho e quem não lembrar já as paradas de Maio em Moscovo, quem não recordar a do 12 de Outubro em Madrid, pode ver em breve o que significa uma parada militar na celebração do 14 de Julho em Paris… Porque há-de a vida ser monstruosa? Pois, porque, justamente, é vida dos monstros. O Moita, polemista oficial da Casa do Sino e de tudo quanto dela sobra, defensor dos agentes do caso Maddie e Joana, (já criminalmente condenados), fez-se presente na jaqueta de presidente de câmara, com as folgas e refegos de mau alfaiate de bairro. A imagem de um parolo. Compostinho. Entre parolos. Mas na tribuna, como na parada, tudo se conjugava perfeitamente. As fisionomias traziam, todas, os mesmos traços desenhados. Desde o bispo da igreja oficial, que oficialmente não há, ao presidente. E tudo se prolongava até às caras dos alunos das escolas militares. É nítido que os da tribuna (e tudo quanto representam) lograram impor ao país, nestes trinta anos, as suas deformidades. É nítido que o país ostenta hoje as suas (deles) mutilações. “Sonhei que era português e que Portugal era outra vez Portugal”. Aceita-se a confissão implícita. Era uma vez um monstro que queria ser. Queria ser juiz. Queria ser médico. Queria ser professor. Queria ser presidente. Era uma vez um monstro que não queria fazer. Não queria fazer justiça, mas apenas ser juiz. Era uma vez um monstro que nenhuma construção projectava, mas queria ser engenheiro. Era uma vez um monstro que nada tinha a dizer, mas queria ser professor. Era uma vez um monstro que não queria servir a comunidade, mas queria ser militar. Que coisa os fez assim? Foi a sodomia, desde a mais tenra infância, ministrada com o catecismo papista? Foram as dez gerações de alcoolismo e sífilis que os precederam? Foram as mãezinhas a levar nas ventas todos os dias (para remissão do pecado que tais crias são)? Não se sabe que coisa os fez assim. Mas, independentemente da explicação do fenómeno, foi isso que ali desfilou. Mesmo o Colégio Militar já só ostenta fisionomias que podiam ser as dos rapazes de qualquer asilo, de qualquer Casa Pia. E dessa escola às Academias Militares nenhuma distinção havia. Eram as fisionomias da tribuna. Labregos. (Nas mais benévolas presenças). Doentes mentais, em algumas das perfeitamente explícitas imagens. Em cujos corpanzis nenhum aprumo habitará jamais. Em cujas cabeçorras nenhuma ideia se acenderá alguma vez. Em cujo horizonte de vida nenhuma beleza, nenhuma nobreza, nenhuma justiça se consentirá nunca. Aquilo foi – em tudo - a negação de tudo. Como não podia deixar de ser. Porque há-de a vida ser monstruosa? Pois, porque àqueles se consente que existam assim. Porque aqueles sobrevivem a todos os poderes, mas nada sobreviverá ao poder deles. (Quod erat demonstrandum).

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