A Europa dá a Portugal a importância que Portugal dá a Monchique. Território tribal, para todos os efeitos. Escandaloso, quando se olha melhor. Monchique é uma parte do paraíso tomada pelos demónios. Perdeu três quartos da população. (Satanael é inimigo da vida humana). O concelho mostra-se chacinado pela brutalidade. Exibe a lindíssima serra esventrada onde se arrancam blocos de pedra cinzento e rosa, parecida com o granito, mas excessivamente frágil a não ser para utilização ornamental interior. A extracção faz-se diante de casas e pequenas herdades camponesas, cujos ocupantes devem ter morrido asfixiados pelo pó. Nas encostas há vazadouros de lixo. E restaurantes vazios à espera dos turistas que as hão-de subir, no verão, para ver a paisagem assombrosa. Um milagre até agora repetido e assente nas indicações de folheto. As ribeiras usam-se como esgotos das criações de porcos, correndo a céu aberto para Portimão. A Escola tem coberturas degradadas de amianto, talvez para as crianças não durarem muito. Já só há trezentas, vindas de todo o concelho e não só da Vila. Devem ser demais, mesmo assim. Mas a redução constante da população fará com que venham a morrer anónimos e longe. Terra de velhos e parvos, aquilo. Dos parvos trata a Caixa Geral de Depósitos, tanto quanto parece. Dos velhos, ocupa-se (mal) o Município, que é como quem diz, o presidente Tuta. E o tribunal, que em nada destoa do horrendo cenário. O régulo investe no Brasil, como a EDP (supondo-se que tais investimentos não hão-de compor-se das verbas do magro salário de Presidente da Câmara). A vila já não tem população para ser Município. Nem futuro. Stanley Ho tomou as termas, no fundo de um estreito vale de águas inquinadas (mas tratadas, para tal efeito). Percorrem-se ruas inteiras de casas abandonadas. E potentíssimos radares militares, unidos às antenas emissoras de telefone sem fios, irradiam a população que sobra. Tuta é um velho bronco a sentir-se invulnerável na sua voz de sargento, debitando frases feitas. Algumas coisas lembram ali, com força, algumas páginas de Jorge Amado e até de Ferreira de Castro. Com algumas imagens de Felini. O país também. Mas ponderada a existência da Casa Pia, ocorrem ainda umas cenas de Pasolini. (Bem entendido). A Europa dá a isto a importância que isto dá àquilo. Quem tiver pernas para andar que se mude. Em Monchique restam alguns velhos, paupérrimos e abandonados nas encostas e entre montes, falando num sotaque mouro e esquecido, de vogais surdas com conjugações erradas. Destilam clandestinamente a sua óptima aguardente de medronho, estremecendo à recordação da malevolência do Tuta, temendo a guarda e o juiz da vila que vivem felizes por se sentirem temidos. Um magala da GNR dá informações a quem passa, com o sobrolho levantado. Também ele se sente importante, em lugar sem importância nenhuma. (Nem o despropósito da cena vale telefonema ao comandante de companhia). O país inteiro é uma colecção sem qualquer interesse destas gentes tremendas, em terras que conseguem fazer pavorosas, nuns cenários de paraíso. (Sodoma e Gomorra ficavam também em lugares lindíssimos).
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