Sunday, February 14, 2010

A IMPRENSA E A JUSTIÇA

Granadeiro, mignon do Arcebispo de Évora, alcandorado a alturas com as quais nunca sonhara, sente-se encornado. Saberá reconhecer quanto sente por não ser a primeira vez. E di-lo a rir-se, como os mansos. Tudo conforme. Mas neste alarme da gente (sobretudo de direita) perante a tentativa de controlo da comunicação social pelo primeiro-ministro, há coisas a serem esquecidas. A primeira das quais é que a comunicação social já está sob controle e que, portanto, um tal projecto seria um desalojamento de parte dos controlos actuais. Isso não seria em si próprio nem mais nem menos negativo que a situação presente. Depois era importante ver quais são os mecanismos do actual controlo e isso é fácil, por serem coisas do mais bacoco que há. A concentração de títulos e a titularidade do capital social das respectivas sociedades é alguma coisa, mas definitivamente não é tudo. Também há a “concentração de jornalistas”. Uma escola como a Católica pode dar títulos aos jornalistas “professor universitário” por exemplo e simultaneamente dá-lhes uns cobres a ganhar, propicia-lhes umas exibições e, evidentemente, tem a boa vontade editorial da equipa liderada por eles. A “universidade independente” era um desses casos. A “moderna” tinha-o sido, também. A “universidade católica” nunca deixou de o ser. A “universidade lusófona” vai-o sendo à sua escala. São mecanismos permanentes de distorção. Mas ainda há outros. Que vão da “press list” da embaixada americana, a todas as “press lists” concebíveis. E há o desvirtuamento infinito introduzido pelas agências de publicidade, porque o negócio da “imprensa portuguesa” (compreendendo o audiovisual) não são as notícias, nem a análise, nem a autoridade intelectual - ou a prospectiva - da opinião pessoal, nem sequer a mobilização da opinião pública, que de resto a imprensa simplesmente não mobiliza, ao menos aqui. Um bom trabalho jornalístico seria investigar a corrupção na imprensa (que vai desde a encomenda de silêncios e escândalos à publicidade não autorizada, passando pela concorrência desleal). O negócio da imprensa é a publicidade. Os jornalistas são funcionários que recortam e colam coisas das agências noticiosas e dão eco a um ou outro escândalo emergente das frequentes zangas entre a gente rasca que lhes controla os pontos e os teclados, sempre em risco perante um sistema judiciário que, ainda assim, encontra motivo para perseguir jornalistas e efectivamente os persegue em violação evidente do art. º 46º da CEDH. Mas globalmente, são mais as coisas que a imprensa portuguesa cala do que aquelas das quais pode ou quer falar. O negócio da imprensa é a publicidade, porque o negócio da imprensa é o do sistema político. E por isso a imprensa partilha do seu desprestigio. Como “a justiça”. Todos têm um estigma comum: a escandalosa restrição do léxico, a insuficiência no manejo da Língua, a circunstância de falarem muitas vezes do que não sabem e portanto, nada terem a dizer que mereça ser lido ou ouvido, a não ser às vezes, como anedota (e isto desde o discurso parlamentar, à notícia de jornal, passando pelos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça). O primeiro-ministro quis fazer alguma coisa disto, ou nisto em quanto respeita à imprensa? Eventualmente sim. Qual é a diferença? Eliminaria uns agentes de outros. Eventualmente sim. As sequelas organizacionais da casa do sino enxofram-se com o Grande Oriente e fazem rebentar em cima da gente deste todos os escândalos que conhecem. E este gostaria de tirar dali os agentes daquelas coisas. Por nós, podem tirar-se uns aos outros de todo o lado. Daqui virá algum progresso se - e apenas se – com isto se conseguir uma redução substancial dos funcionários prostituídos do jornalismo autóctone. Ainda assim há os canalhas do papismo (que não deviam ser esquecidos e vão sobrevivendo a estas periódicas tentativas de razia). A recente questão do Sol tem alguma graça, em todo o caso. Mas só porque José António Saraiva é, nisto, um fenómeno atípico. Seja como for, os melhores em distribuição no território continuam a ser o El Mundo e o El País. As melhores estações de televisão continuam a ser a France 24, a TV5, a BBC e a CNN. E o melhor modo de suprir as lacunas de informação é a Net. E a Liberdade de imprensa em Portugal, como qualquer outra forma de liberdade de palavra, só poderia ser atingida com o estabelecimento de organismos de informação e debate fora das fronteiras. Nem os advogados têm já, ou podem ter, palavra livre nos tribunais.

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