Tuesday, July 22, 2008

Revisão Constitucional consumada em França

Aprovação à tangente. Mas aprovação. Actos de guerra sem informação prévia ou qualquer aprovação parlamentar (art. 35), excepto para o prolongamento das operações além de quatro meses. Possibilidade do Presidente intervir no Parlamento sem que as suas posições possam ser questionadas ou dar origem a qualquer voto sobre as matérias tratadas (art. 18). Novos poderes parlamentares, mascarando novos direitos da maioria parlamentar, permitindo agora a recusa de recepção de Projectos de Lei e cingindo a discussão em plenário ao textos adoptados em Comissão, podendo o parlamento instituir mais duas comissões do que actualmente (art.s 41,42,43). Novos poderes do governo quanto ao agendamento (em duas semanas, sobre quatro), como determina o “novo” art. 48 da reforma. O controlo difuso da constitucionalidade (art. 61.1) é formalmente intensificado (recurso para o Conselho Constitucional em impugnação da norma inconstitucional – por violação dos Direitos Fundamentais - traduzindo a respectiva declaração de inconstitucionalidade uma revogação automática, nos termos do art. 62). Mantendo-se, não obstante, o controlo político do Conselho pelo mecanismo da nomeação. O parlamento pode votar resoluções (sem carácter vinculativo e, por isso, inúteis) relativamente aos projectos da UE, sem qualquer possibilidade prática ou teórica de resistência política (88.4). Mas pode interpor recurso para o Tribunal de Justiça contra qualquer acto legislativo europeu por violação do princípio da subsidiaridade (velha figura cara à doutrina jurídica papista). A França pode participar na UE de acordo com as condições definidas pelo Tratado de Lisboa, quaisquer que sejam as circunstâncias políticas da União Europeia. O Conselho Superior da Magistratura é politizado, constituindo os seus membros de nomeação política a maioria deste órgão (art. 65). É instituído um defensor dos direitos (espécie de provedor dos cidadãos, em teoria) aglutinando as competências da protecção administrativa de menores, controlo das prisões e deontologia das forças de segurança, com as competências de intervenção junto de todos os serviços públicos, centrais ou municipais, sendo o seu titular de nomeação presidencial (art. 71.1). A tudo se junta um imoderado poder do Presidente da República quanto ao recurso ao referendum, dispensando todavia qualquer consulta o tema das novas adesões à UE (com excepção da Turquia). É a vitória, precária embora, da França de Hauriou e do Nacional Catolicismo. Sendo especialmente grave a “constitucionalização” do truque generalizadamente usado na guerra de 99 contra a Sérvia, para o efeito “desqualificada” na designação de “operação”. Tal regressão, formalizada, é gravíssima no plano global. Concretamente, porém, ponderadas as características do sarcoma a ferir a República Francesa, tais poderes podem resultar na mais negra tragédia para a Europa, pela lógica das vinculações por aliança. Lang votou isto favoravelmente. Porque o sarkozismo é um petainismo à escala das circunstâncias, não faltando sequer o apelo ao "novo espírito" e à "nova França". Perfeita loucura. E o semelhante gera o semelhante. Nem a França será uma excepção. Nem a eventual eleição de Obama poderá ser travão suficiente (e isto poderá revelar-se a resistência possível à mudança ante-visível na orientação da política externa americana). As reacções populares alemãs deixam antever uma transmutação possível no "eixo-atlântico". A reacção acantona-se já - à cautela - no eixo europeu "Paris-Roma"? A inconsistência na política externa dos conservadores na Europa avança, isolada embora, para o belicismo? Tudo é possível. É até possível (perfeitamente possível) que Obama não venha a representar o prometido papel. Mas em breve teremos tudo esclarecido. Não demorará um ano, sequer.

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