Sunday, June 20, 2010

O êxito de Saramago

O êxito de Saramago é o dos grandes escritores. Um grande escritor não é um contador de histórias. O êxito é dado pela clareza e profundidade alcançadas com a qual um homem muito ofendido explora as causas do seu sentimento de ofensa e escândalo. Era avesso à religião que ligava (nitidamente) às falsificações das Sagradas Escrituras que o papismo logrou instituir. E todavia, porque grande escritor e homem profundamente ofendido, o itinerário de Saramago não anda longe do de Job. Também a ele vieram os notáveis adverti-lo que estava na rota antiga dos homens perversos. E, como Job, o ofendido não se calou. Como Job foi desalojado e como Job continuou a não se calar.Como Job, ainda, venceu o diabo em vida. Sorriram-lhe então o céu e a terra. E o comunista Saramago inclinou-se diante de um rei. Recebeu a mais alta distinção para as letras de um país mesquinho de indigências várias. E, por tudo, Saramago foi o último grande vulto do movimento comunista internacional. Mais importante do que Neruda, desse ponto de vista. Sobrevive-lhe, não obstante, "esta merda chamada mundo" sobre a qual nos disse o que tinha entendido. Mas - como ocorreu com todos os que o antecederam e ocorrerá com todos quantos lhe sucederão - nenhum escrito seu nos dispensa do nosso próprio entendimento e nada nos retira a singularidade radical (nem o significado universal) do que a nos próprios nos ofende e nos escandaliza. O que nos distinguirá, quanto a isto, é a capacidade que teremos (ou não) de seguir Job. Porque, ao contrário do que pensava Saramago, nada do que é essencial escapou às Sagradas Escrituras. (Nem as cidades e igrejas dos pedrastas, tão bem tratadas no Velho Testamento, como na Carta aos Romanos). Quando o protesto de alguém incomoda realmente, lá estão sempre os obscuros notáveis, com o anátemas de sempre, apontando "as rotas antigas dos homens perversos" que o homem em protesto começa a percorrer. Se quem protesta souber seguir Job, atingirá a grandeza ou a glória. Se não, poderá sempre ler aqueles que a atingiram. E educar os filhos para maior coragem. Porque a coragem não se ensina. Mas educa-se. E Deus não é mesquinho.

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