Wednesday, February 24, 2010

A escumalha

Há coisas que definitivamente revelam características da escumalha. O riso é uma delas. As maneiras à mesa (isto é menos importante, mas igualmente incómodo). Há o léxico, também. E as distonias de voz sem causa orgânica. Os temas de conversa. Eis alguns modos de revelação de características fatais como o destino, é certo, mas com um enorme peso do enquadramento social. Podem traduzir evidentes situações deficitárias e as correspondentes inépcias. Mas não traduzem necessariamente a falta de carácter a inviabilizar qualquer confiança. Onde essa falta se nota é nas situações de tensão. A histeria da gente rasca fá-la perder, mais do que qualquer norte, a própria cabeça. Eles próprios dizem, aliás, que estão "de cabeça perdida". Têm a conduta de uma galinha sob o jacto da mangueira. E a coisa não difere muito da conduta da galinha nos primeiros segundos de uma decapitação súbita. Cabeça perdida é boa e exacta designação. Ora vem isto a propósito da extraordinária ideia - enunciada sob tensão política nem sequer extremada - de pôr os magistrados sob escuta, para preservar o segredo de justiça. Os magistrados são suspeitos. (Estamos de acordo). E quem o diz são outros magistrados. Trinta anos depois de um recrutamento obstinado de magistrados na baixa classe média, sem qualquer percurso que lhes permita o afastamento ou superação de tais limitações, o sistema, ele próprio, vem dizer que os magistrados são suspeitos de manter conduta de escumalha. E que não será contra natura esperar que optem pelo crime com mais facilidade do que se admitia. Portanto é necessário prever a sua vigilância por escuta telefónica. Fica por explicar, evidentemente, o motivo pelo qual os magistrados estavam - funcionalmente, segundo tudo indica- isentos de escutas, quando o Chefe do Estado e o Chefe do Governo não o estavam. E fica demonstrado que, na deplorável situação presente, é pura loucura qualquer confiança nas instituições. Tal implica, naturalmente, a quebra de confiança nos que são suficientemente suspeitos para que publicamente se advogue, nestes termos, a necessidade de serem postos sob escuta (os magistrados). E inviabiliza, também naturalmente, a confiança no aparelho que os escutará (conduzido por magistrados). Aqui chegados, deve relevar a assumpção por confissão espontânea do lixo que isto é. Procedendo-se pois aos despejos e limpezas que a salubridade exige. Ou aceitar um desfecho fatal - de consequências mais amplas - determinado pela actividade dos pólos de infecção em presença. Perdida a cabeça sob tensão branda, o aparelho surge num momento de revelação. É uma revelação à qual o aparelho não devia sobreviver.

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