Sunday, August 17, 2008

SEGREDO DE ESTADO À PORTUGUESA

A incompetência, os delitos e a crueldade das forças de segurança portuguesas motivaram um relatório do Inspector-geral da administração interna. E o Ministro Pereira considerou-o abrangido pelo “segredo de estado”. Interessante. É o “isso não se pode dizer do Pacheco Pereira”. Em Portugal abundam os homens com nome de vegetal, tal como abundam os que vegetam sob forma humana. Ele há os Pereiras, os Loureiros, os Laranjeiras, os Oliveiras, os Figueiras, os Nogueiras e os Carvalhos, mais os Moitas, os Flores e os Silvas. Depois há as madeiras secas e mais ou menos trabalhadas: os Lemes, os Portas. É assim. Para que o país vegete regularmente, o Ministro Pereira, amigo de Portas, seguiu o conselho do crítico Pereira, alérgico a Portas. Quer que a coisa gritantemente pública seja secreta. Será então secreta, embora toda a gente o saiba. Que sabemos nós? Pois que a criminalidade mais violenta é a cometida pelas forças de segurança. Não há muitos casos de delinquentes a meterem balas no recto de alguém, mas a PSP de Évora conseguiu-o há uns anos. Não há delinquentes conhecidos a decapitarem as suas vítimas e, depois, a abrirem um buraco à sovela, para imitar uma bala que se teria disparado por acidente (bala interessante porque os fragmentos de osso estavam orientados para fora, segundo o relatório, mas logo se fez outro, menos chocante, e o tribunal preferiu acreditar nesse). Este prodígio inesquecível foi feito pela GNR de Sacavém. Mesmo no plano da extorsão organizada, deveria lembrar-se que o posto de Albufeira da GNR foi todo “dentro”, embora o resultado final do julgamento tenha sido menos interessante. Mas em Trás-os-Montes houve caso análogo. Também não se conhece nenhum grupo de delinquentes que tenha batido num Cônsul, mas isso aconteceu com a Guarda Prisional de Santa Cruz do Bispo. Segredo, claro. Pelo menos o Ministro deve achar. E o crítico Pereira. O problema é que não são apenas os portugueses as vítimas disto. Uma brasileira foi vítima de tortura. E disse-o. E quando a PJ prende (logo veremos com que fundamentos) uma cidadã espanhola e um dos inspectores se masturba para cima dela, no calabouço, é normal que sejam os tribunais espanhóis a tratar do caso. Que vai o Pereira dizer ao Tribunal Espanhol? Que é segredo de Estado? O Pereira quer um mandado de captura internacional? Uma coisa concedemos secreta. É que, hoje, as “forças de segurança” podem organizar as extorsões que quiserem e as violências que quiserem sem que ninguém possa falar disso, a não ser o Inspector da Administração Interna e o MP. (Mas também não sabemos em que circunstâncias são eles autorizados a falar disso, que o próprio PGR foi alvo de exigências de demissão pelos seus próprios subordinados). Porque a estrutura de parasitagem do Estado faz com que o simples guarda prisional tenha estranhos apoios tendencialmente em toda a hierarquia do Estado, capazes de “tramar o advogado que não se cale. A começar pelos “Conselhos Disciplinares” da Ordem dos Advogados (uma polícia tão cheia de delinquentes como as outras, menos violentos que os da outras, o que não quer dizer menos ferozes). Tais protecções abrangem necessariamente o MP que habitualmente persegue por injúria qualificada quem arguir o problema, sem investigar a arguição. Mesmo na Direcção política da vida institucional esses apoios funcionam (em favor, até, da gentalha mais rasca que pode conceber-se). Podemos também dispor de exemplos públicos: uma secretária do PGR organizava chantagens em torno dos processos em curso; um responsável da segurança de Jorge Sampaio foi preso por tráfico de droga…porque estavam eles ali? Que os pôs lá? Que estrutura lhes permitia isso e quando é que deixou de permitir?... Segredo de Estado afirma Pereira Ministro. “Isso não se pode dizer”, exclama o Pereira crítico. E é vasta a estrutura de constrangimento ilícito para impor o silêncio. O problema são os tribunais de Espanha. E os do Brasil. E os de todo o lado. Quem emitiu um mandado internacional contra Pinochet, emite mais facilmente um outro para qualquer Pereira.

No comments: