Saturday, August 16, 2008

UMA DIVISÃO CONTRA UM EXÉRCITO

É pacífico. Bush reconheceu que a Rússia deslocou para a Ossétia e aí fez intervir dez mil homens. Assim foi. Dez mil homens. Com meios de apoio aéreo e naval muito limitados. E o exército Georgiano em fuga desde o primeiro dia, alegando combates de violência sobre-humana. Trinta e sete mil soldados, vinte mil praças da Guarda Nacional e cem mil reservistas de calças na mão. A artilharia pesada transformada em sucata. O que sobrou dos 230 tanques recolhido em Tbilissi. A marinha invisível, porque a única unidade vista foi pique pela intervenção de um navio de Sebastopol. Os outros navios terão ido a pique em Poti. A força aérea em terra, trinta aviões que não darão para combater, mas chegaram para bombardear civis na Ossétia. A defesa anti-aérea, enfim, parece, terá feito estragos limitados (faz sempre alguns). Há dois pilotos russos dos aviões abatidos (parece) em hospitais georgianos. A guarda nacional volatilizou-se. E todo o equipamento militar comprado pela Geórgia nos últimos anos, dir-se-ia, até, nos últimos meses, designadamente à Ucrânia, foi destruído. Destruídas todas as bases a partir das quais a Geórgia poderia relançar operações análogas contra os cidadãos russos da Ossétia e da Abkhazia. Isto em três dias. Os vendedores de armamento podem rejubilar. Vão poder vender tudo outra vez. Mas é preciso algo mais do que rufias armados para se ter um exército. A expressão de Medvedev é exacta. Rufias. Conduzidos por homem com todo o estilo de um proxeneta. Todos com radical ausência de noção das distâncias, das proporções e da importância própria. Coisa vulgar entre rufias e proxenetas. Os cerca de doze mil quilómetros quadrados das Repúblicas da Yugo-Alânia e da Abkhazia podem considerar-se definitivamente subtraídos ao território da Geórgia que perde metade da costa que ficcionava sua. Mas continuará contando com uns cinquenta e poucos mil quilómetros quadrados, se a Adjária, a sul, permanecer estável. Saakashvili quis um cessar fogo, assinou um cessar fogo e ao mesmo tempo enunciou claramente a reserva mental, no próprio acto de outorga (nunca tal coisa se viu, a não ser no desarranjo mental de um proxeneta em cólera). Medvedev fez, outra vez, bastante bem. A agitação de Bush e Rice tem bons motivos. Os americanos bombardearam durante três meses a Yugoslávia, usando munições de urânio, confessando, no fim desse alarde de destruição, que haviam apenas atingido trinta por cento da capacidade militar sérvia e só no Kosovo (!)… No Iraque, onde anunciaram a vitória numa vasta operação de pilhagem a que chamaram guerra (todavia não declarada), continuam atolados num terreno onde todos os odeiam (a justo título). Também estão atolados nos Balcãs, onde gozam da paz podre (e excessivamente dispendiosa) de um clima de guerra latente. Atolados no Afeganistão, também. Mesmo no Afeganistão, a segurança em Kabul é muito mais frágil do que o era no tempo da presença militar soviética. Incomoda os comandantes americanos ver uma simples unidade militar, com meios muito restritos, a fazer em três dias o que eles não fazem em anos, com meios ilimitados, mesmo depois de – prematuramente - anunciarem “vitória”. É incomodativo. Mas é assim. A comparação não é apenas desfavorável. Torna-se, em si própria e por si própria, um factor de descrédito (mais um) para Bush (o que seria o menos) e para a América (coisa bastante mais grave). Todo o aparato militar americano parece uma compilação narrativa (de relativo interesse prático) com três capítulos: negócios, propaganda e (gigantesca) inépcia, onde a crueldade se integra. É normal que não vão longe. Mas a propaganda não é tudo neste mundo. Às vezes é mesmo necessário fazer o que há para fazer. As unidades militares russas, fazem. Os exércitos americanos, não. Isso é aborrecido para os americanos. Compreensivelmente. Há nestas reacções (institucionais) muito da indignidade do cábula. Muito do ressentimento do inepto. Isso constitui um perigo. E planetário. Do qual a América tem o estrito dever de livrar-se. É um perigo para a segurança do Estado que o homem comum se revele mais competente que os militares de alta patente, ou os dirigentes desse Estado.

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