Wednesday, November 28, 2007

A TORTURA, O FUNCIONÁRIO E O DESGRAÇADO

Já chegou assim”. “Tentou suicidar-se”. O Estado Português (de acordo com a designação oficial) é pouco imaginativo. Tem sempre a mesma resposta. Há um homicídio na cadeia? – Foi suicídio. Há um espancamento sob detenção? - Foi o detido que se atirou pelas escadas abaixo. Um homem sai da cadeia tuberculoso? – Já entrou assim. Sai um homem da cadeia com lesões na coluna por espancamento? – Vá lá provar-se isso. Mas para isto há solução evidente: é preciso que um exame médico constitua o primeiro direito dos detidos e no momento da detenção. É preciso que esse direito possa voltar a ser exercido se a prisão preventiva for decretada, ou se a pena de prisão for aplicada. E é preciso que esse direito possa também ser exercido no momento da libertação. As diferenças de situação clínica teriam de explicar-se por razões muito claras. Isto não elimina toda a tortura, ou todo o risco da sua ocorrência. Mas pelo menos controla o sadismo dos alarves. E resolve esta treta permanente – já não há quem ature tal coisa – que é o argumento do “já estava”. Em quanto nos diz respeito, o “já estava” é coisa que a administração tem de provar. Quem alega, prova; não é assim? E, no crime de tortura, o ónus da prova deve inverter-se. Se há lesões à saída da cadeia que ninguém viu à entrada (as queimaduras de cigarros na cara, parecem coisa difícil de explicar por um tentativa de suicídio) … Aos carcereiros a demonstração de que o silêncio ou o alegado desconhecimento não é cumplicidade. (Sim, de iure constituendo). Não há paciência para tais bestas. Nem motivos para indulgência. Que coisa repulsiva! Que saturação!... (Nem sequer há palavrões que cheguem para falar de tal coisa com o rigor necessário). Aliás numa terra, como esta, onde os advogados estão sempre com um pé na prisão em razão das arguições de defesa que produzem, numa terra onde os jornalistas estão sempre com um pé na prisão pelos textos que publicam (mesmo que a pena venha a ser só de multa, essa multa é convertível em prisão), não se podem correr riscos de viabilizar tais coisas. Quase nada é decente nesta terra. Mas isto não pode ser. Nem pode continuar.

No comments: