Só houve três Procuradores Gerais da República no espaço dos últimos vinte anos. Todos suscitaram dúvidas quanto à segurança das suas próprias telecomunicações. O conselheiro
Cunha Rodrigues chegou a descobrir um microfone no seu próprio gabinete. E o processo criminal desencadeado foi (evidentemente) inconclusivo. O homem comum – tecnicamente chamado
declaratário-médio pelo jurista médio – pergunta-se o que pode acontecer-lhe se isto ocorre com os próprios magistrados alçados ao posto de Procurador-Geral da República. Já vimos isto a propósito de outra coisa. A dúvida é disparatada. O que pode acontecer a um homem ou mulher normais é – tão simplesmente – tudo. A última razão de tranquilidade do homem comum era pensar que a banalidade da sua vida não justificaria que o vigiassem. Errado. O discurso securitário justifica que todos os insuspeitos são suspeitos. E o recrutamento das polícias no mesmo estrato social das delinquências, o recrutamento obsessivo das magistraturas na baixa classe média são, neste quadro, riscos políticos maiores (em si e por si próprios). Filhos bonitos, família civilizada, casa confortável, qualificação técnica acima da média, podem suscitar qualquer quezília, qualquer inveja, qualquer desejo. A possibilidade material de abuso dos poderes disponíveis é tão grande aqui como em qualquer outro quadrante da vida institucional. O abuso tem sido a regra mais presente e mais geral. A delinquência mais perigosa tem sido a dos agentes de segurança e funcionalismos judiciários. Entre estes, revelam-se sempre mais perigosos os menos controláveis. E os menos controláveis são aqueles que dispõem dos poderes funcionais para perseguir a liberdade de crítica, o direito de queixa, a possibilidade de recurso. Há dois alvos estratégicos, deste ponto de vista: os jornalistas e os advogados. Por serem as primeiras defesas da comunidade e do homem comum. (Claro). O controlo repressivo da imprensa e o controlo repressivo da Ordem dos Advogados têm o mesmo valor fundamental. O controlo informativo do PGR – pela escuta, por exemplo - também não anda longe disto. O
conselheiro Pinto Monteiro fez muitíssimo bem em falar (também). E a reacção ao que disse é muito interessante.
Querem demiti-lo (!)… Querer calar quem fala é uma constante típica nesta terra. Aterrorizar quem fala é outra. Retaliar é, também, outra constante. O normal seria, simplesmente, responder. Calar, ameaçar e retaliar são reacções (politicamente interessantes em contexto alegadamente democrático) mas não são respostas. E se é possível fazer isto ao Procurador-Geral da República, imagine-se o que será possível fazer ao homem comum. E ao jornalista comum a quem ele contar a história. E ao advogado comum a quem ele pedir o patrocínio forense. Tudo o que se imaginar, pode falhar nos detalhes e no modo. Mas estará substancialmente certo.
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