Tuesday, October 2, 2007

Garcia Pereira: de longe o menos mau

Garcia Pereira é um homem simpático. Não se dissiparam ainda os ecos de quando chamava "serventuário" ao José Eduardo Moniz numa emissão da RTP em directo, onde, com justa cólera, exigiu ao serventuário a modéstia dos serviçais, um pouco como quem diz -"a discutir com alguém, discuto com o seu patrão e não consigo". (Há serviçais que perdem a noção do seu papel na história... E já lá dizia uma senhora sábia do Séc. XII: "é desleal quem se oferece por servidor e pretende ser igual"). Quem é instrumental, subsiste instrumental enquanto durar tal papel. Nada mais óbvio. Garcia Pereira estava ali carregado de razão. Ultimamente não lhe temos visto coisas destas -o que é pena, porque ocasiões não têm faltado - ele foi o doutoramento, ele foi o concurso para o ISEG ele foi a luta diária pela sobrevivência à avalanche de trabalho... E um homem não tem tempo para tudo. Claro. Nem resistência. Garcia Pereira não apresenta programa. Transigência grave. Sem programa não há o que votar... Não estamos propriamente em sistema liberal onde se escolhe quem decide pelos outros. Aqui, há uma opção directa, programática. É portanto necessário um programa. Um programa que ninguém fez, é verdade. Mas Garcia Pereira não é qualquer um dos outros e devia tê-lo feito. Talvez o faça, ainda. (Vamos ver). Intenções por intenções... Nenhuma intenção basta. De boas intenções está o inferno cheio. Mas é impossível ignorar o que sabemos dele. Há um percurso. Há posições. Há uma consistência pessoal e há uma aversão significativa à sordidez. Pressente-a. Desmascara-a. Exorciza-a. Os homens servis temem-no. Isto é definitivamente alguma coisa. Mas em democracia não se vota só num homem. O homem providencial não é uma tradição de esquerda (pese embora em contrário a iconografia de Stalin). Não é sequer de tradição republicana. Nenhuma eleição é um plebiscito, em princípio. Garcia Pereira é fixe. Ninguém duvidará disso. Mas na gravidade da situação institucional isso está longe de ser tudo. Como vai ele por na rua a gente contratada pelo favor e em abuso de funções? como vai ele proteger os "colegas mais corajosos" que a Ordem perseguiu nos bastonatos de Júdice e Alves? como vai ele reparar os estragos? como garantirá ele que a ordem faça algum sentido, hoje, sem ser como mecanismo de perseguição política? Ele já pensou nisso? Que tem ele a dizer, então? Sem desprezar o prazer que certamente daria usar a ordem para perseguir as mafias do alterne no futebol, a p2 à portuguesa e a opus à moda da beira... entre outras tascas e capelinhas, é preciso ter uma ideia da utilidade estrutural -e não circunstancial- de uma organização hoje odiosa. Depois, Garcia Pereira avança desacompanhado. Vai apenas com uma lista para Conselho Geral. É claro que não é fácil cercar Garcia Pereira... Mas ou ele consegue cindir os demais órgãos, caso seja eleito, ou terá uma trabalheira a recorrer para o Superior (para o qual também não apresentou lista) de todos os abusos que lhe oporiam ou oporão. Eventualmente é por isso que aqui não há programa. Nenhum programa seria viável com tal perspectiva. Três anos de guerrilha e de crise. Isso não é necessariamente negativo, claro. Pode até ser o melhor modo de separar as águas. Mas nós continuamos a propôr a extinção daquilo. É o único modo seguro de garantir a subsistência das liberdades profissionais (que isto com câmaras secretas, à escala das capelinhas e das tascas, não só não pode ir longe como tem de acabar). Mas talvez Garcia Pereira tenha outra solução: restando apenas este detalhe de ninguém saber ainda qual é.

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